“Por isso, bacalhau”
As pessoas pensam que os anos se contam pelos aniversários, mas não. Contam-se pelos natais – os aniversários são coisas mais epidérmicas e corriqueiras. Para rituais portugueses não há como o 24 de Dezembro. Por isso, bacalhau.
Toda a minha vida – repleta, como a de todos os portugueses, de pratos de bacalhau de todas as formas e sentidos – pensei que se trataria de um peixe achatado e sem cabeça (ou, para V. ser mais sincero, pensei pouco ou nada sobre o assunto).
Mas não é. É dourado (na Noruega chamam-lhe “o ouro do mar”, por razões que ultrapassam o aspecto) e tem bigodes. O primeiro encontro que tive com um bacalhau, em Setembro de 1998, foi debaixo de água, sózinho, à beira de um degrau arenoso a 40 metros de profundidade, que descambava para os 1100 metros de profundidade, à boca do fjord de Hareid
Estava eu a pairar a meia água, de volta de uma medusa que tinha um mini-peixinho a passear dentro e fora da redoma dos seus tentáculos, quando um peixe gigante e solitário se metastizou do azul e aproximou de mim, curioso. Peixes gigantes e solitários que não têm medo de homens que fazem bolhas não costumam trazer boas-novas – já tive vários encontros com barracudas com este desconcertante comportamento, que me deixaram marcas indeléveis; esquecemo-nos quase por completo do que é fazer parte do menu dos bichos enquanto trouxemos quase todos os bichos para o nosso menu. Era um bacalhau quase do meu tamanho, que parecia – na situação vigente – quatro vezes maior que eu. Pensei, com muita força, “espero que não se aperceba que sou português…”
“Esquecemo-nos quase por completo do que é fazer parte do menu dos bichos enquanto trouxemos quase todos os bichos para o nosso menu“
“Foi nessa altura que decidi que tentaria aprender melhor o que é ser bacalhau, na Noruega.“
O bicho acabou por desaparecer no azul da mesma forma que tinha aparecido – depois de nos olharmos olhos nos olhos, ao nível da máscara, ele a tentar perceber o que eu seria e eu a tentar perceber o que ele era. Foi nessa altura que decidi que tentaria aprender melhor o que é ser bacalhau, na Noruega. É que afinal sem o bacalhau seco e salgado de que tanto gostamos, a nossa história teria sido diferente.
Apresento-vos o resultado de sete anos de fotografia – todos os Invernos, entre o princípio de Fevereiro e meados de Março, fui para a água com boa-vontade e barbatanas (e cameras e iluminação e muita roupa dentro do fato-seco e muito chocolate – as temperaturas chegaram vários dias aos -15ºC no ar e 0ºC na água) para vos trazer estas imagens. Espero que gostem
Obrigado